Cinema sonoro : o som sincronizado nos anos 1920 e 1930.

cinema sonoro

O cinema sonoro emerge na década de 1920 com o Vitaphone, desenvolvido pela Western Electric, e com o Movietone, desenvolvido pela a Fox.

Desde seus primórdios, o cinema é marcado por sua relação com a música. Isso torna a distinção entre a era do cinema mudo, ou silencioso, e a era do cinema sonoro bastante problemática.

Inicialmente, a música era executada no exterior das salas de projeção, como forma de atrair o público. Mais tarde, a música passa a ser tocada ao vivo durante as projeções. Os grupos de músicos tinham dimensões variáveis, podendo ir de um solista a orquestras inteiras .

No período tratado como primeira fase do cinema, que vai de 1895 a 1915, o fonógrafo era raramente utilizado nas sessões. Isso se deve à dificuldade de sincronização entre a película – um suporte perfurado – e o cilindro ou disco – suportes contínuos. Além disso, antes do advento dos sistemas de gravação e amplificação elétricos, o fonógrafo tinha pouca potência sonora e seus timbres eram muito pobres.

Assim, as tecnologias do telefone e do rádio serão apropriadas para inovar o cinema pela parceria entre as empresas Warner Brothers e Western Electric e pela Fox.

Warner Brothers e Western Electric desenvolverão o Vitaphone, enquanto a Fox, explorará o sistema Movietone.

Primeiras experiências de sincronização no cinema sonoro.

Antes da emergência do Vitaphone e do Movietone, principais aparelhos a impulsionarem o desenvolvimento do cinema sonoro, surge uma série de invenções mecânicas que objetivavam a sincronização entre som e imagem.

Podemos mencionar a experiência de sincronização do francês Demeny, realizada em Paris, em 1892. Demeny combinou a projeção de slides em uma lanterna mágica e a gravação de voz de um fonógrafo.

O próprio Thomas Edison, inventor do fonógrafo, lança o Kinetophone, em 1895. Seu objetivo é reproduzir acompanhamento musical para imagens em movimento. Em 1913, o aparelho é relançado, dessa vez objetivando a sincronização de voz, ruídos e de um violino .

Também Léon Gamont, demonstra, na França, em 1902, seu Chronophone, um sistema de dois motores – um para imagem e o outro para som. No Chronophone, um projetor era ligado a dois fonógrafos por uma série de cabos. O sistema era muito caro e apresentava amplificação deficiente. Por isso, foi abandonado.

O método de gravação óptica que será utilizado pelo Movietone também possui antecedentes nas últimas décadas do século XIX. Blake desenvolve a ideia de fotografar os sons, transferindo fotograficamente as vibrações do diafragma de um microfone .  

Von Madeler também experimenta com a gravação óptica. Fixa ao diafragma de um gramofone um sistema rotativo de corte de luz.

Por fim, nos laboratórios Edison, o francês Eugene Lauste, constrói uma máquina que registrava o som fotograficamente e o reproduzia por um processo muito próximo ao do Movietone. Lauste faz seu primeiro filme sonoro em 1910. Contudo, suas experiências, como as de outros que trabalhavam em aparelhos para sincronizar som e imagem, foram interrompidas em decorrência da grande popularidade do cinema silencioso na época.

O Vitaphone.

Em 1924, a Western Electric conclui um sistema de toca-discos com microfones e alto-falantes de alta qualidade, amplificação sem distorções, gravadores e toca-discos elétricos, assim como um sistema de sincronização de toca-discos e projetor sem variações de velocidade. O sistema possibilita a emergência, em 1926, da corporação Vitaphone para desenvolver filmes sonoros.

Aspectos técnicos do Vitaphone.

No sistema, as variações de pressão atmosférica (energia acústica) – que constituem as ondas sonoras, percebidas através de nossos ouvidos como som – são convertidas, por um microfone, em corrente elétrica. Em seguida, essa corrente elétrica é transformada por um dispositivo cortante com ponta de safira em desenhos em um disco de cera. Note-se, assim, que a gravação constitui-se na elaboração – através da tensão elétrica – de uma espécie de gravura em cera das ondas sonoras.

A partir de então, são elaborados negativos de cobre, chamados de matriz ou de negativo master que, por meio de uma prensa hidráulica, possibilitam a impressão de novos discos. A produção de muitos discos a partir de um mesmo negativo implica em sua deterioração. Com isso, a partir da matriz, primeiro negativo de cobre, são elaborados discos mães, compostos de metal, que vão gerar novos negativos para a reprodução dos discos que serão distribuídos e comercializados.

Para que os discos tornem-se audíveis, ou seja, o som seja reproduzido, é necessário o procedimento inverso àquele que constitui a gravação: as ranhuras do disco devem ser lidas pela agulha de um toca-discos, transformadas em corrente elétrica e, em seguida, em variações da pressão atmosférica, que serão percebidas como som.

Primeiros filmes do cinema sonoro.

O advento do Vitaphone desperta o interesse de grandes empresas comerciais que passam a investir  no cinema sonoro.

O Vitaphone é estreado com o filme Don Juan, de John Barymore, em Nova York, a 6 de agosto de 1926.

Don Juan não apresentava diálogos. Assim, de certa forma, foi ainda concebido como um filme silencioso ao qual foram adicionados efeitos  (os ruídos que acompanham a cena, como os sons dos movimentos dos personagens, de carros ou outros componentes das imagens)  e música sincronizada, composta por David Mendonza e William Axt.

Em 1927, é lançado The Jazz Singer, de Alan Crosland, também pelo sistema Vitaphone.

 The Jazz Singer é o primeiro longa-metragem a apresentar falas sincronizadas. Contudo, é ainda constituído por características próprias ao cinema silencioso, como inter-títulos e pantomimas. O filme alcança grande sucesso.

O Movietone.

Paralelamente ao advento do Vitaphone, interessada em sonorizar seus jornais cinematográficos, a Fox desenvolve o Movietone a partir de uma forma de gravação de som no filme.

Surge, com isso, ao lado do método dos discos, o método óptico de gravação. Nesse método, a variação de pressão atmosférica causada pelo som é inscrita em imagem fotográfica e registrada na borda do filme. Como o aparato de gravação do Movietone não envolvia uma agulha delicada cortando sulcos, podia ser facilmente manuseado e deslocado, sendo ideal para a gravação de discursos breves e outras atividades públicas.

Até 1931, Movietone e Vitaphone se desenvolvem paralelamente. A partir de então, contudo, o método de gravação óptica do som se generaliza e o Vitaphone é abandonado.

Aspectos técnicos do Movietone.

No método de gravação ótica do Movietone, o microfone traduz o som em tensão elétrica. Assim, o microfone é acoplado a uma válvula amplificadora e a uma lâmpada elétrica, que projetará uma faixa fina de luz que, por meio de variações de sua intensidade e incidência, registrará o som no negativo.

Durante a projeção, uma lâmpada é concentrada na imagem, gerando sua projeção na tela, e outra no som. O feixe de luz direcionado ao som atravessa o filme, que faz variar a quantidade de luz que incidirá em uma célula fotoelétrica, constituída por dois eletrodos, um de metal fotoativo (mais comumente potássio ou césio), o outro de um condutor. A célula fotoelétrica, acoplada a uma resistência, produzirá uma voltagem proporcional à luz incidental, transformando-a em modulações da corrente elétrica que serão amplificadas e enviadas aos alto-falantes para que sejam, novamente, traduzidas em som. No sistema óptico, normalmente, são feitos diferentes negativos de som e imagem, contudo, as cópias para projeção combinam os dois negativos, sendo um dos lados destinado ao som.

Poéticas do cinema sonoro.

O som sincronizado possibilita uma nova gama de produções cinematográficas e de poéticas audiovisuais. Entre elas, vale destacar o cinema clássico hollywoodiano, do cinema de Charlie Chaplin, o cinema de René Clair e o cinema de Eisenstein.

O cinema clássico.

Normalmente, a expressão “cinema clássico” refere-se a uma concepção específica de audiovisual que emerge em Hollywood, entre as décadas de 1930 e 1940. Configura-se como um campo discursivo constituído por uma multiplicidade de convenções, incluindo modelos de duração dos filmes e a organização de sua narrativa por meio da edição, gravação, montagem e mixagem de som e imagem.

No cinema clássico hollywoodiano, estabelece-se, no plano sonoro, uma hierarquia na qual a inteligibilidade da narrativa depende, primeiramente, da predominância dos diálogos, seguidos pelos efeitos e, finalmente, pela música.

As principais tendências de utilização da música no cinema clássico são:

  • Criar o mood: a música é utilizada para criar o clima de uma cena.
  • Leitmotiv: procedimento no qual cada personagem ou ideia chave recebe um tema musical que o caracteriza.
  • Underscoring: Essa técnica também é conhecida como mickey-mousing, por ser muito utilizada nos desenhos de Walt Disney.  Nessa técnica, a música articula-se com detalhes da imagem, imitando o movimento da cena e respondendo às reações dos personagens.

O cinema de Charlie Chaplin.

A partir das primeiras exibições de cinema falado, emergem debates sobre a utilização adequada do som.

Também em Hollywood, Charlie Chaplin não se interessa pelos primeiros experimentos com o cinema falado. Chaplin considera a voz superficial. Em sua concepção, o cinema consistiria em uma arte essencialmente pantomímica.

Assim, na década de 1930, quando a era do cinema falado já estava totalmente estabelecida em Hollywood, Chaplin continua a fazer filmes sem diálogos.

A perspectiva crítica quanto ao cinema falado pode ser acompanhada nos filmes de Chaplin da época. Por exemplo, em City Lights, de 1931. Logo na primeira cena do filme, Chaplin se utiliza da paródia, mostrando na tela personagens discursando enquanto ouvimos ruídos de trompete – que constituem um verdadeiro blábláblá.

City Lights

Por outro lado, em City Lights há uma grande valorização da música sincronizada. Chaplin, ele mesmo, escreve a música do filme, utilizando os procedimentos de leitmotiv e de mickey-mousing.

O tom de paródia ao falado é mantido em Modern Times, de 1936. Nesse filme, os personagens não dialogam entre si. Ouvimos apenas falas provindas de aparatos elétricos como televisões, rádios e alto-falantes. Destacam-se as falas do presidente da fábrica, que monitora, persegue e interpela seus funcionários por um sistema de câmeras. A fala é, portanto, relacionada à tecnocracia criticada no filme.

Modern Times

Em Modern Times, contudo, são explorados efeitos sonoros, que acompanham o maquinário da fábrica. Há também uma trilha musical sincronizada com a ação, como a de City Lights, composta especialmente para o filme pelo próprio Chaplin.

Ainda em Modern Times, Chaplin canta em um número musical. Nessa cena também explicitando sua posição acerca da utilização do som. Na ação, se atrapalha porque “esquece as palavras” da canção, como se elas não fossem necessárias a sua arte. Confirmando a dispensabilidade das palavras, Paulette Goddard – que contracena com o cineasta – responde: “Cante! Não importam as palavras”. Note-se como, então, o problema parece dizer respeito não ao som, ou à música, mas às falas.

O cinema de René Clair.

Na Europa, a transição para o sonoro é também marcada por reticências acerca da utilização de diálogos.

Na França, René Clair defende o que concebe como “cinema puro”, no qual predomina o elemento visual.

Partindo da diferenciação entre o filme falado e o filme sonoro, René Clair propõe a utilização assincrônica do som. Para ele, não precisamos ouvir o que vemos na tela .

Nos filmes Sous les tois de Paris, de 1929, Le Milion, de 1931, e A Nous la Liberté, de 1931, René Clair trabalha com um mínimo de diálogos. Por outro lado, utiliza-se abundantemente de música, coros e efeitos para criar comentários e contrapontos às imagens.

O cinema de Eisenstein.

A crítica soviética ao cinema sincronizado manifesta-se na Declaração, texto elaborado por Sergei Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov, escrito e publicado em 1928. Nesse texto, os autores consideram que o cinema americano estaria explorando as potencialidades do som em uma direção errada, de forma a ameaçar o cinema enquanto arte. Segundo esses autores, o som criaria certa independência para os fragmentos de imagem, prejudicando a criação de significados pelo processo de montagem.

Para Eisenstein, a montagem seria o elemento mais poderoso do cinema e sua forma característica de significação. Segundo sua teoria da montagem, de duas imagens sempre surgiria uma terceira significação.

Com isso, Eisenstein defende que o som deve estar em contraponto em relação à imagem, sendo utilizado de forma não sincronizada. Dessa forma, o som poderia consistir em um elemento poderoso da montagem, que potencializa seu desenvolvimento e seu aperfeiçoamento.

Considerações Finais

Na década de 1920, o cinema sonoro emerge enquanto forma de arte particular na qual há unicidade entre som e imagem. A partir de então, emergem diferentes poéticas audiovisuais. O som emerge como recurso central de expressividade do filme, sua relação com a imagem se transformando radicalmente.

Fontes de pesquisa.

Esse texto é uma adaptação de um trecho de minha Tese de Doutorado intitulada  O DESCOBRIMENTO DO BRASIL (1937): Villa-Lobos e Humberto Mauro nas dobras do tempo. Para ler a tese, clique aqui.

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2 thoughts to “Cinema sonoro : o som sincronizado nos anos 1920 e 1930.”

  1. Estas opiniones no fueron raras entre aquellos que veian el cine como una forma de arte; Alfred Hitchcock, aunque dirigio la primera pelicula hablada comercialmente exitosa en Europa, sostuvo que «las peliculas mudas eran la forma mas pura de cine» y se burlo de muchas de las primeras peliculas sonoras como que ofrecian poco aparte de “fotografias de gente hablando.” La mayoria de los historiadores y aficionados al cine de los ultimos tiempos estan de acuerdo en que el cine mudo habia alcanzado un pico estetico para finales de los anos 1920 y que los primeros anos del cine sonoro ofrecian poco en comparacion con las mejores peliculas mudas. Por ejemplo, a pesar de caer en relativamente en el olvido una vez que paso su era, el cine mudo esta representado por once peliculas en la encuesta Centenary of Cinema Top One Hundred de

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