Franklin Cascaes e seus seres fantásticos.

Franklin Cascaes foi um desenhista, escultor, escritor e pesquisador catarinense.

Buscava em sua obra descrever as manifestações culturais das comunidades pesqueiras que se estabelecem no litoral de Santa Catarina a partir da colonização açoriana iniciada no século XVIII.

Assim, sua obra caracteriza-se pela utilização do registro plástico para retratar o cotidiano das comunidades tradicionais de Florianópolis.

Cascaes tem como temática manifestações culturais, materiais, mitológicas ou religiosas. Seus desenhos figuram a agricultura, a pesca, a criação de animais, os engenhos de farinha, brincadeiras, festas religiosas e atividades artesanais.

Contudo, a temática de sua obra que mais se popularizou foi a das bruxas e seres fantásticos baseados em descrições coletadas nos interiores da Ilha de Santa Catarina.

A trajetória de Franklin Cascaes.

Franklin Joaquim Cascaes nasceu em 1908 na praia de Itaguaçu, que hoje integra a parte continental do município de Florianópolis. Não teve uma formação escolar tradicional, mas desde criança interessava-se pelo desenho.

Em 1933, ingressou como estudante do Curso Noturno da Escola de Aprendizes e Artífices de Santa Catarina (Atual IFSC – Instituto Federal de Santa Catarina).

Em 1941, tornou-se professor de desenho dessa instituição, lá atuando nessa função até 1970. Conforme relatos de seus alunos, foi um professor profundamente gentil que, em sala de aula, privilegiava o desenho artístico a mão livre.

A partir da década de 1940, Cascaes passou a desenvolver pesquisas de campo em comunidades pesqueiras de Florianópolis. Em suas pesquisas, infiltrava-se na população para coletar informações sobre modos de vida, mitos e lendas.

Deixa-nos inúmeros cadernos de anotações. Contudo, sua arte sempre foi sua principal ferramenta de registro e trabalho. Também deixou-nos registros fonográficos de festas e manifestações folclóricas de diferentes comunidades do litoral de Santa Catarina.

Por ser um pesquisador autodidata, suas pesquisas foram discriminadas e deslegitimadas no meio acadêmico de sua época. Entretanto, atualmente, Franklin Cascaes é considerado o primeiro pesquisador a adentrar e valorizar o campo da açorianidade do litoral de Santa Catarina.

Sua obra é reconhecida por seu extremo detalhismo com relação àquilo que descreve.

Franklin Cascaes falece em 1983.

A obra de Franklin Cascaes.

A obra de Franklin Cascaes é integrada por desenhos a lápis e a bico de pena e nanquim, esculturas em argila, contos e relatos de campo.

Pode-se acompanhar na obra de Cascaes dois espaços de figuração distintos:

  • O primeiro diz respeito à representação do visível, do cotidiano, da vida material das comunidades pesqueiras. Trata de temas como brincadeiras, pesca, agricultura e artesanato. Quando aborda esse espaço figurativo, Cascaes se expressa por composições extremamente descritivas, de caráter realista.
  • O segundo diz respeito ao mundo do invisível que caracterizaria o mito e o fantástico. É quando mergulha no universo do mito, das lendas e do sobrenatural que a imaginação de Cascaes flui de forma mais livre, desprendendo-se da materialidade visível e imergindo no imaginário da tradição oral.

Bruxas e seres fantásticos.

Boitatás, mulas sem cabeça, demônios e bruxas encontram representação na obra de Cascaes.

Imagem de Franklin Cascaes. Viagem Bruxólica às Índias.
Franklin Cascaes. Viagem Bruxólica à Índia.

No desenho em bico de pena intitulado Viagem bruxólica à Índia (imagem acima), vemos um grupo de bruxas e demônios navegando em um pequeno barco. O desenho liga-se a uma narrativa recolhida por Cascaes, na qual, um pescador, habitante da Costa da Lagoa, bairro de tradição pesqueira localizado no interior da Ilha de Santa Catarina, tem sua embarcação roubada por bruxas, que com ela, navegam até a Índia. Percebemos na obra, a forte ligação do imaginário das bruxas com o universo da pesca e sua relação com o mar. Na imagem, vemos seres pontudos, articulados a partir de esqueletos de peixe e espinhos de ouriço.

Na obra tardia de Cascaes, a bruxa também assume um sentido metafórico mais amplo, representando o perigo da modernidade capitalista.

A partir da década de 1950, a cidade de Florianópolis tem sua paisagem alterada pelo ideal de modernização e rápido crescimento das zonas urbanas. Os antigos casarios coloniais são substituídos por prédios de mais de dez andares, a pavimentação e a eletricidade chegam ao interior da ilha, populações de comunidades rurais e de pescadores vendem suas terras e mudam-se para o centro da cidade.

Cascaes assume uma perspectiva extremamente crítica com relação a essas transformações e, principalmente, quanto ao descaso com que Florianópolis passa a ser ocupada e negociada.

A crítica ao ideal de modernidade pode ser acompanhada na obra fantástica do artista. Por exemplo, nos desenhos, de 1976, intitulados Bruxa Grande e Bruxa dos tempos modernos.

Imagem de Franklin Cascaes. A Bruxa Grande.
Franklin Cascaes. A Bruxa Grande.

Em Bruxa Grande (imagem acima), Cascaes retrata uma bruxa gigantesca pisoteando com seus sofisticados sapatos de salto, os casarios tradicionais açorianos.

Imagem de Franklin Cascaes. Bruxa dos Tempos Modernos.
Franklin Cascaes. Bruxa dos Tempos Modernos.

Em Bruxa dos Tempos Modernos (imagem acima), a modernidade é representada por uma bruxa desproporcional e desequilibrada, com elementos de animais peçonhentos como a cobra e a aranha.

Acervo.

Em 1981, o Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral, da Universidade Federal de Santa Catarina recebe a guarda da obra de Franklin Cascaes.

As três imagens aqui comentadas fazem parte desse acervo, que atualmente, conta com 1179 desenhos, 1707 esculturas e muitos manuscritos.

Cascaes opta por doar suas obras para essa universidade de forma a manter sua integridade e coerência de conjunto.

Era seu desejo que sua obra ficasse acessível para visitas de todas as pessoas e fosse uma fonte viva de consulta para as comunidades tradicionais.

Isso demonstra a consciência do artista sobre o valor político de seu trabalho, como documento de resistência e forma de valorização e contraposição dos modos de ser e viver das comunidades pesqueiras do litoral de Santa Catarina frente às transformações capitalistas.

Fontes de pesquisa.

CASCAES, Franklin. O fantástico na Ilha de Santa Catarina / Franklin Cascaes. Florianópolis: Editora UFSC, 2015.

MALUF, Sônia Weidner. Encontros Perigosos: análise antropológica de narrativas sobre bruxas e bruxaria na Lagoa da Conceição. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: 1989. Para ler, clique aqui.

MEIRA, Denise Araújo. A Trajetória do Professor/Artista Franklin Cascaes: Notas de uma Pesquisa. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011. Para ler, clique aqui.

SOUZA, Evandro André de. Franklin Cascaes: uma cultura em transe. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: 2000. Para ler, clique aqui.

MARCO, Edina; MAMIGONIAN, José Rafael; DEPIZZOLATTI, Norberto Verani. Série Alma de Artista. Franklin Cascaes. Documentário. 30min. Florianópolis: Prefeitura Municipal de Florianópolis/Fundação Cultural Franklin Cascaes, 2008. Para assistir, clique aqui.

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